Estamos sendo bombardeados. Sim, bombardeados diuturnamente com notícias sobre a operação policial no Rio de Janeiro.
A mídia trata da operação de forma quase ufanística, com citações como: “a guerra contra o tráfico de drogas está sendo um sucesso”; “o Rio está livre das drogas”; “a operação produziu um rombo de mais de 100 milhões ao tráfico, e ninguém consegue se manter com um prejuízo deste!”
Fico imaginando o tanto de gente boa que mora em lugares como o complexo do alemão. São aproximadamente 350 mil habitantes que residem naquele lugar.
Para quem não conhece nada do que se passa lá, a ausência do estado durante décadas fez com que um outro poder se instalasse lá, poder esse que controla o recolhimento do lixo, e cobra por ele; que controla o comércio e fornecimento de gás, e cobra para que se possa revender naquele local; fornecimento de água, e cobra; até a TV a cabo naquele local era controlada por esse poder paralelo, a chamada TVGato. Em uma de minhas idas a trabalho ao Rio de Janeiro, ao descer no aeroporto Santos Dumont, entrei em um taxi para dirigir-me ao centro da cidade, onde situa-se o escritório que iria trabalhar, e em conversa com o taxista, este me informou que pagava R$ 15,00 por mês e tinha todos os canais. Tinham duas bases, quando derrubavam uma, o sinal era repassado pela outra até que se retomasse o da que tinha sido tirado.
Ou seja, a ausência do estado como conhecemos, deu lugar a um outro poder, que cobra muito mais caro do que aparenta.
O medo tomou conta dos morros cariocas, e com a lei do silêncio sendo o dever maior dos que lá habitam, e mais um valor a ser pago no preço exigido pelo poder que lá imperava.
Até ai nada a questionar-se. Havia e há a necessidade do estado se fazer presente nesses lugares, levando aos seus habitantes os direitos e deveres dos cidadãos comuns, denominados por eles, dos moradores do asfalto.
O medo e a inquietação vêm do fato que, com a queda do poder instituído durante tantos anos, haverá uma alteração no modo de vida dos moradores do local. Algumas coisas serão cobradas sem subsídio pirata, como a TV a cabo, algumas benesses que os traficantes também davam, como forma de “cala boca”, deixarão de existir, e algumas pessoas que se beneficiavam delas, passarão a insuflar os demais, e isto pode desestabilizar o estado que está de mudanças para lá.
Mais ainda. Há o medo quase onipresente que seja somente um show pirotécnico para inglês ver em virtude da proximidade da copa do mundo de futebol e olimpíadas na cidade maravilhosa.
O que de verdade motivou a ação do estado nesse momento? Ela é séria? Foi feita pra ficar? Vai existir investimento público nas áreas de favelas? Ou com as dificuldades de se estar lá haverá uma desmobilização dos poderes constituídos e um retorno do tráfico?
A cena épica dessa ação no complexo do alemão é da fuga de centenas de traficantes por estradas de terra e matagais.
Ao ver aquela imagem, lembrei de um texto proferido por Jesus a mais de dois mil anos, em que Ele afirma que um espírito imundo ao ser expulso, sai e percorre a terra, e ao ver a casa de onde saiu arrumadinha, limpa, varrida, e VAZIA, retorna com outros sete, piores que ele, e o último estado se torna pior que o primeiro (Mateus 12. 43 a 45).
Fica a dúvida. Será que após limpar a casa, o estado a ocupará de verdade ou somente provisoriamente? Se for provisoriamente, o estado dos morros será muito pior que o atual, pois os que lá retornarem, estarão preparados para novas e futuras investidas do poder constituído, além da descrença dos moradores, passarão a jogar contra o estado.
Existe ainda o medo desse passeio dos traficantes exportando “know-how” para cidades menores, de porte médio, com menos de um milhão de habitantes, e por ter havido essa pulverização, o combate se torne mais complicado e difícil, como foi para os preparados soldados americanos enfrentarem os combatentes da Al Quaeda em pequenas comunidades do território afegão, sem saber quem era cidadão, e quem era terrorista.
Portanto, o medo que atinge hoje os habitantes dos morros cariocas em relação aos traficantes advém do temor que possuem de a operação não ser mais que algo superficial, e após limparem a casa a deixem vazia, bem como, se não for realizada de verdade, mas a ocuparem, deixando os traficantes soltos, eles passem a operar em lugares menores, sem estrutura para o combate a esse poder paralelo e que movimenta uma estrutura financeira estratosférica, e que num primeiro momento derrama uma quantia enorme de dinheiro sobre a comunidade ocupada. Estima-se que só na cidade do Rio de Janeiro movimente anualmente mais de seiscentos milhões de reais, ou seja, o orçamento de uma cidade com aproximadamente 400 mil habitantes. Então deixará de ser um atacadista como conhecemos hoje, pra transformar-se em inúmeros varejistas do ilícito.
O tempo apresentará as respostas as questões apresentadas, que serão respondidas pelo estado constituído: se ele dobrará ante as dificuldades vindouras, ou se fará a obra até o final, mesmo depois que os holofotes da mídia estiver garimpado outra mina para entreter os olhares da população.
Pode ser que nada disso aconteça, mas eu vejo assim!
Roberto – 01/12/2010.