Homens Livros


Na última semana ocorreu um fato muito difícil do qual participei, ainda que indiretamente.
Na cidade onde resido teve nos últimos dias uma feira do livro, essa já tradicional, e que acontece anualmente, com diversos expositores, editoras, palestrantes e shows. Há uma quantidade muito grande de pessoas que comparecem para verificarem os lançamentos de livros, para participar dos debates e palestras, para conhecerem outros títulos, outros só pelo prazer de terem um espaço para encontrar amigos, outros para os shows, e ainda um bom número de adolescentes para a chamada azaração.
No domingo anterior, próximo ao meio dia, recebo um telefonema de uma mulher chorando desesperadamente, que logo percebi tratar-se da pessoa que trabalha em casa, auxiliando no dia a dia. E de uma forma muito sofrida solicitou ajuda, pois a sua filha estava desaparecida desde a véspera por volta das 21h. Ela estava em companhia da prima que tem 13 anos, e estavam passeando na feira do livro junto com a irmã mais velha e outras amigas, e em determinado momento sumiram e até aquele horário não tinham mais notícias de onde estavam, nem tão pouco informações.
Almocei e fui para a casa dela, ver em que poderia ajudar, e a liberamos de trabalhar durante a semana para deixá-la em condições de buscar a filha.
Nunca havia me ocorrido à dor e a tristeza de perder um filho dessa forma. A angústia de algo ruim poder estar acontecendo à menina, a violência que campeia pelas cidades, as drogas, a nova praga denominada de pedofilia... Tantas coisas povoavam e com razão os sentimentos e mente de uma mãe aflita. Lembrei-me instantaneamente dos vários e-mails que recebo solicitando o repasse de mensagem com fotos de alguém que havia desaparecido, ou programas populescos do reencontro de mãe e filha após vários anos de separação, sem que uma soubesse o paradeiro da outra.
Mas doía muito a idéia de não encontrar a menina, e o fato estraçalhar a vida emocional da mãe, como estava já ocorrendo, sem nenhuma idéia de onde essa adolescente pudesse estar.
Tudo o que se esperava é que a menina tivesse feito uma molecagem, pois está numa idade em que os hormônios estão em ebulição, e tivesse procurado algum paquera. O que era tudo que mais se temia antes do desaparecimento.
Os dias passavam rápido demais pra conseguir varrer-se a cidade, os amigos todos procurados e ninguém sabia das meninas; e passava lento demais para quem espera o retorno improvável de alguém que não vai chegar.
A mãe foi a programas de televisão local e regional solicitar a exibição de fotografias das desaparecidas na esperança de alguma notícia que trouxesse fim ao desespero que a afligia.
Após três dias recebe uma ligação de uma família que as havia encontrado já tarde da noite na feira do livro mesmo, e as duas meninas diziam que não tinham família, foram acolhidas por essas pessoas de bem, e devolvidas aos seus pais.
Todo esse episódio me fez refletir sobre as coisas mais importante em nossas vidas. Lutamos tanto por coisas que esperam que queiramos, que as coisas realmente importantes de nossa vida ficam na esquina de nossa existência. Quando então somos afligidos de uma enfermidade, por uma dificuldade maior, tentamos segurar o que há de mais importante. Que levem tudo, mas nos deixem vivos e com saúde, é o que pensamos, por exemplo, em um assalto a mão armada.
O que a mãe mais temia que ocorresse com sua filha antes de seu sumiço, que era ela arrumar um namorado, passou a ser uma das situações menos problemáticas para a desaparecida.
Em nossas vidas agimos também assim, sonhamos tão alto com castelos de areia, que nos perdemos daquilo que realmente importa, e quando esse castelo desaba somos as primeiras vítimas soterradas por seus escombros.
Chamou-me ainda a atenção, o aparente paradoxo da menina ir a uma feira do livro, lugar onde as pessoas deveriam ir para se acharem, e lá perder-se.
Percebi então que as formas não podem imperar sobre o conteúdo, não é porque foram a feira de livros que estavam buscando saber e conhecimento, não é porque vão a igreja que buscam o crescimento espiritual, não é porque vão há um parque que buscam contato com a natureza. Mas sim por se buscar o conhecimento e o saber que se vai atrás de livros (os melhores), por buscar-se uma intimidade maior com o criador que se vai as casas de oração, por desejar estar mais próximo da criação que se acorre a parques ecológicos.
O desejo tem que vir primeiro, a vontade tem que anteceder a ação.
Por fim, a reflexão que fiz sobre o fato, me fez ver que somos como livros, e quando nascemos temos nossas páginas todas em branco, e os pais tem a caneta para escreverem as primeiras folhas, os nossos capítulos iniciais, mas com o passar do tempo, os pais começam a dividir a autoria do livro com os próprios filhos, e por fim estes passam a ter em suas mãos o controle do que escreverão nas páginas vindouras. E dependendo de suas escolhas, passam a ser meros coadjuvantes de suas próprias vidas.
O enfoque inicial das primeiras páginas escritas pelos pais pode dar o tom do livro todo, como também, pode ser deixado de lado no transcorrer dos capítulos e na transição da autoria.
Mas não esqueça, o livro de tua vida pode seguir de agora em diante para o gênero que o autor desejar, se até hoje foi uma comédia, fazendo tudo errado, pode se tornar um drama pelas escolhas feitas, ou um romance daqui pra frente, pode ainda ser uma aventura cheia de emoções sadias. O que está escrito até agora irá influenciar nas folhas que seguirão, mas não tem o poder de determinar o conteúdo dos futuros capítulos.
Como você pretende escrever as próximas páginas de tua vida?
Roberto - 06/06/2011.